domingo, 21 de julho de 2013

O CAVALEIRO SOLITÁRIO

cinema comentário
A Vingança Veio a Cavalo
por Ernesto Ribeiro

De um índio sem tribo para outro, honrando minha herança.


...e a Justiça do índio Tonto chegou numa locomotiva desgovernada e divertidíssima Johnny Depp honra o sangue de seus ancestrais com a atuação mais corajosa de sua carreira, mostrando o índio como o único e verdadeiro herói da História real do Velho Oeste.

O diretor Gore Verbinski reencarna o espírito dos faroestes monumentais de Sergio Leone com uma obra-prima belíssima e monumental, realizando o Faroeste mais espetacular já feito.

A mesma equipe de ‘Piratas do Caribe’ dá um show de grandiosidade numa das superproduções mais extraordinárias da História do Cinema. Empolgante do início ao fim, com um enredo genial, estória brilhante e roteiro engraçadíssimo, O Cavaleiro Solitário é um dos Melhores Filmes de Todos os Tempos.
 
Finalmente um filme tão belo e grandioso que as imagens arrebatadoras fazem a tela do cinema parecer ainda maior! Depois de tantos seres irreais, absurdos e ridículos, como hobbits e anões, gnomos e duendes, elfos e fadas, magos e super- heróis, homens de aço e de ferro, nada como uma estória de gente real muito bem contada; um bálsamo para a alma humana. 

E esse aqui cumpre todas as expectativas: humanista sem ser chato, cômico sem ser idiota, longo mas que nunca cansa: você nem vê o tempo passar: os 150 minutos passam voando. E quando acaba, a gente pede mais.




O Cavaleiro Solitário é diversão garantida, com uma séria mensagem a toda a Humanidade. Forte sem ser pesado (é a Disney, senhoras e senhores) trata de um tema que todos conhecem, mas quase nunca se fala: a guerra dos brancos cristãos contra os índios pagãos, que levou ao extermínio de 5 milhões de nativos na América do Norte.

Tudo em nome do progresso. Nada aqui é escondido: a hipocrisia moral, a estupidez da guerra, a mentira e a ganância como instrumentos da Grande Expansão para o Oeste. Mas dessa vez, até as crianças poderão assistir a tudo sem sofrimento. Pelo contrário: do início ao fim, em quase todas as cenas, a galera no cinema solta as gargalhadas mais selvagens, rindo da cara do homem branco.

É a dança do Cavalo Doido, a vingança do pele-vermelha, num texto cinematográfico muito bem escrito e minuciosamente planejado. 



John Reid  (acima) é o modelo de herói americano: é um homem branco, loiro, de olhos azuis, alto, forte e bonitão. Advogado bem- sucedido, elegante, cultíssimo, é leitor do filósofo iluminista John Locke (que criou todos os ideais da civilização americana) e principalmente: ele acredita na superioridade moral ianque, na Ordem, na Lei e na Justiça das instituições e autoridades que levam o progresso, a razão e a civilidade ao Oeste Selvagem. Com tudo isso, o galã do filme nos é apresentado o tempo todo como um completo... idiota.

E a intenção desse filme é exatamente essa: desconstruir, um a um, todos os mitos que o cinema americano inventou sobre seu próprio país. E usando o gênero cinematográfico americano por excelência, o mesmo que gerou a mitologia central. Começando pelo desmonte da figura do cowboy.

John Reid se tornará o Cavaleiro Solitário, e futuro avô do playboy milionário Britt Reid, o Besouro Verde, ambos criados pelo mesmo autor nos anos 30, como personagens de rádio, quadrinhos, cinema e TV. 

Ou seja: são a face completa do sucesso triunfal americano, celebrados na indústria do entretenimento. Ironicamente, ambos chegaram ao século 21 sendo mostrados como completos imbecis, ofuscados e manipulados por seus parceiros, ambos de outras etnias: o inventor chinês Kato (interpretado por Bruce Lee na série de TV) e agora esse outro gênio, que o tempo todo se faz de tonto.

“Nunca subestime um comanche”. Espertíssimo e inteligentíssimo, o índio Tonto passou anos no encalço de um grupo de assassinos que exterminaram sua tribo inteira quando ele ainda era uma criança. 

Ele investiga a sociedade dos brancos e analisa as fraquezas, maldades, mentiras e hipocrisias, enquanto vai tecendo seu plano e arquitetando sua vingança de maneira fria e calculista. Um dos criminosos é um típico bandido fora-da-lei, feio e desfigurado, chefe de quadrilha procurado e já preso.

O problema maior são os outros, que estão todos dentro da lei: respeitáveis senhores que representam a própria Lei a Ordem; uma autoridade suprema da política, um próspero homem de negócios, um comandante militar. 

Os ‘grandes homens’ que construíram a Grande Nação Americana, com cada tijolo empapado de sangue de outros povos. Os mesmos ‘heróis’ que trouxeram a riqueza e o progresso econômico são culpados até a alma do pior Crime Contra a Humanidade. E todos eles vão pagar. É só uma questão de tempo. Paciência é uma virtude. A vingança será doce.

Tonto (Johnny Depp, ele mesmo descendente de índios cherokee e um dos produtores executivos do filme) é o verdadeiro herói dessa História, com H maiúsculo. Com sua aparência bizarra e cara de bobo, ele é desprezado por todos na cidade pelo estereótipo do índio: apenas mais um doido débil mental. Ledo engano, caras-pálidas: isso é exatamente o que ele quer que seus inimigos pensem.

E a meta que o índio justiceiro traça é nada modesta, com objetivos até então impossíveis:

1°: Desmascarar os criminosos no topo da sociedade americana. 
2°: Expor a conspiração que levou ianques a romperem todos os 400 tratados de paz com as nações indígenas. 
3°: Evitar uma guerra de extermínio entre os dois povos. 
4°: Matar os canalhas no poder. 
5°: Arrasar um exército. 
6°: Humilhar a raça branca. E ele consegue tudo isso. Só precisou de duas horas e meia de filme.

Para executar seu plano, o índio comanche precisa de um aliado branco. Mais exatamente, de uma marionete. Um cara burro o bastante pra não entender que é só uma peça no tabuleiro, sendo usado no jogo como peão e cavaleiro ao mesmo tempo. É assim que Tonto inventa a figura do Cavaleiro Solitário; sua máscara, sua mística, sua lenda.

E John Reid não entende nada até cometer o maior erro de sua vida. Somente quando ele quebra a cara com a realidade é que ele descobre que tudo o que ele acreditou e defendeu a vida inteira eram ilusões. 

Somente então ele entende o porquê da máscara: a resposta estava ali, o tempo todo, literalmente diante de seus olhos. Ele precisa se tornar alguém bem diferente para se tornar digno da própria lenda. E enfim ele aprende o verdadeiro significado da palavra kemosabe.

“Você nunca foi um homem”. A verdade é horrível e dói muito, ainda mais quando quem lhe esfrega isso na cara é um selvagem indígena que lhe despreza:  

“Você só acredita no que lhe dizem ser a verdade, mas nunca viu a VERDADE com seus próprios olhos. Não conhece as pessoas e nem sabe quem são seus verdadeiros inimigos. Aliás, nem conhece a realidade do seu próprio povo. No fundo você é só um escravo na mente e na alma. É apenas mais um homem branco.”
 
Johnny Depp mergulhou fundo (com o perdão do trocadilho) para resgatar essa verdade e a honra de seus ancestrais indígenas. A atitude mais corajosa dele foi criar seu maior obstáculo: permanecendo a maior parte do filme com a mesma expressão paralisada, no rosto coberto com uma grossa camada de tinta branca e um corvo morto na cabeça. 

Com esse visual bizarro de demente se expondo ao ridículo, ele venceu o maior desafio para um ator, que é passar toda a riqueza do personagem usando outros recursos, como a voz e sutis mudanças de expressão e olhar. Um feito e tanto, que só os espectadores mais atentos percebem.


O resto fica com o texto: as falas do índio Tonto variam de nível conforme a situação. Quando se finge de debilóide diante dos brancos, ele é lacônico; quando expõe seus pensamentos, ele é articuladíssimo e filosófico, declamando pérolas de sabedoria e discorrendo sobre conceitos abstratos como a ética, moral, culpa, responsabilidade, Verdade e Justiça. 

Nunca antes na História do Cinema um faroeste teve tamanha coragem de discutir valores antes indiscutíveis e mostrar um selvagem desconstruindo a dita Civilização, espicaçando a moral religiosa e revelando a realidade do ponto de vista dos supostos  ‘selvagens’.
 


“Você tem razão: não existe Justiça" - admite Reid, a certa altura. Somente aquela que conseguimos fazer com as próprias mãos.”

Todos os elementos do faroeste estão lá: a vingança, as ferrovias, os cabarés, a construção de cidades, a conquista da terra, os conflitos entre os povos. 

A grandiosidade se faz jus até na música, com o mais vibrante e clássico tema épico (William Tell, de Rossini) resgatado em seu ritmo galopante pela orquestra sinfônica, conduzida com mão de mestre pelo gigante Hans Zimmer.
 
Gore Verbinski transforma cada imagem numa obra de arte, com seus planos grandiosos, enquadramentos vertiginosos, closes sensíveis e um profundo amor pela humanidade de seus personagens. Nunca se fez algo assim desde Era Uma Vez no Oeste. Nunca um diretor soube usar tão sabiamente o poder das imagens para executar uma justiça tão poética.
 
As sequências de ação só faltam atravessar a tela do cinema. Só a primeira cena é tão gigantesca e devastadora que já superou tudo o que se viu até hoje em matéria de perigo sem efeitos digitais, com destruição pesada e arrepiante. 

E o final é outro espetáculo de aventura, com feitos impressionantes que arrancam urros de entusiasmo da plateia. É, disparado, um dos maiores prodígios do mundo. A justiça do índio Tonto é esmagadora, atinge a todos e pesa toneladas de... Bem, essa você vai ter que ver com os teus próprios olhos.

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